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O anúncio do ensaio clínico sobre o EGCG com crianças

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Equipe responsável pelos ensaios clínicos sobre EGCG e síndrome de Down. À esquerda, na primeira fila, de camisa azul, Dr. De La Torre

Diretor de Programa de Pesquisa em Neurociências do
Instituto de Pesquisas Médicas do Hospital del Mar, de Barcelona, Rafael De La Torre possui mais de trezentas publicações científicas resultantes de estudos e pesquisas em que esteve envolvido. Nos últimos anos, participou dos estudos clínicos envolvendo a administração de EGCG, uma epigalocatequina presente no chá verde, associado à estimulação cognitiva, para jovens adultos com síndrome de Down.

Os estudos preclínicos constataram que a combinação de EGCG e estimulação cognitiva produziu alterações nos níveis anatômico, neuronal e funcional do cérebro de ratos modelo, que se traduziram na melhora do seu rendimento cognitivo. Com base nos resultados obtidos nesses estudos, foi iniciado um estudo piloto inicial de três meses, chamado de Fase I, com objetivo de testar a segurança e tolerabilidade do EGCG, envolvendo 30 pessoas com SD de 18 a 30 anos, em que metade recebeu 9 mg/kg/dia de EGCG e a outra metade, placebo, em um padrão duplo cego randomizado, ou seja, ninguém sabia quem estava tomando o quê, nem os pesquisadores, nem os participantes. Nesta Fase I, cujos resultados foram publicamos em setembro de 2013, foi comprovado a segurança e tolerabilidade do EGCG, com evidências iniciais de sua eficácia, o que autorizou o início da Fase II do estudo.

A Fase II, também um estudo clínico duplo cego randomizado, contou com 87 participantes com T21, de 16 a 34 anos, com o objetivo de avaliar a eficácia da administração de EGCG associada à estimulação cognitiva, por 12 meses, e acompanhamento posterior dos participantes por mais 6 meses. O resultado desta Fase foi publicado em julho de 2016. Foram constatadas mudanças estatisticamente significativas em determinadas áreas da memória, das funções executivas e das competências da vida diária dos participantes, que permaneceram nos seis meses posteriores à interrupção do estudo.

Eis as publicações com os resultados das duas Fases já concluídas.

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/mnfr.201300325/abstract

http://thelancet.com/journals/laneur/article/PIIS1474-4422(16)30034-5/abstract

Sobre a administração de EGCG às pessoas com síndrome de Down e sobre o início dos estudos clínicos na fase pediátrica, ou seja, com crianças com síndrome de Down , assim como a perspectiva de outros estudos nutricionais, o Rogério Lima, co-administrador do Grupo Singularidade Down, teve uma rápida e esclarecedora conversa com o Dr. Rafael De La Torre, transcrita abaixo:

1. O senhor é um dos pesquisadores dos dois principais estudos clínicos com uso do EGCG na melhora cognitiva de pessoas com síndrome de Down, poderia nos explicar os principais resultados obtidos do estudo?

R: Sim, eu estive envolvido em dois ensaios clínicos, usando EGCG, sobre a melhoria cognitiva em indivíduos com síndrome de Down. Muito em breve será publicado um terceiro estudo sobre a síndrome do X Frágil. Essencialmente observamos que os jovens adultos com SD têm um melhor desempenho cognitivo em duas áreas cognitivas: funções executivas e memória. Funções executivas têm a ver com a tomada de decisão, comportamento inibitório e outros processos cognitivos. Em relação à memória, a memória de reconhecimento (memória de reconhecimento é a capacidade de reconhecer eventos, objetos ou pessoas previamente encontrados) foi aprimorada. Globalmente há uma melhoria geral nestas áreas independentemente do significado estatístico de algumas comparações. Na prática, os indivíduos exibem uma função adaptativa melhor (ações diárias, como ser capaz de organizar mentalmente as tarefas a serem realizadas em um determinado dia, estar consciente do tempo decorrido, tomar decisões por conta própria …).
2. Especificamente sobre o EGCG, para além desses estudos clínicos, há vários estudos realizados com ratos modelo. Inúmeras famílias estão querendo introduzir o EGCG. Diante das pesquisas atuais, quais as recomendações de segurança em termos de dosagens?

R: Eu entendo que a maioria dos leitores desta entrevista tem a capacidade de compreender o espanhol escrito. Eu incluí duas ligações que eu acredito serão muito úteis em termos de fornecer informações sobre EGCG em termos de dosagem e recomendações de segurança:

Clique para acessar o TESDAD_RESUM_EXECUTIU_15052015_FINAL.pdf

Clique para acessar o Preguntas-frecuentes-sobre-FontUp.pdf

3. A Dra Rosa Anna Vacca contribuiu com uma excelente revisão sobre os polifenóis nas pessoas com síndrome de Down. Fizemos uma entrevista com ela na qual afirmou que não recomendaria o uso terapêutico do chá verde por conta principalmente da cafeína. Preferia os extratos com pureza determinada do EGCG, o que o senhor fala sobre isso?

R: Concordo com a Dra. Vacca. Sempre usamos extratos de chá verde descafeinado. O produto FontUp (http://fontup.grandfontaine.eu/), que colaboramos no seu desenvolvimento, é feito com EGCG purificado (até 95%). Isso significa livre de cafeína e de outras catequinas.

4. O uso de polifenóis como hidroxitirosol (encontrado no azeite de oliva) é outro tema bem pesquisado pelo senhor, ele seria hoje um bom coadjuvante no tratamento do envelhecimento precoce das pessoas com síndrome de Down?

R: Realizaremos alguns estudos de intervenção nutricional com relação ao hidroxitirosol e a melhora do declínio cognitivo em idosos da população em geral. O melhor que posso dizer é que temos dados preliminares sugerindo que os indivíduos com síndrome de Down que aderem a uma Dieta Mediterrânea obtêm melhores resultados do que aqueles que seguem outros padrões alimentares.
5. Sabemos hoje que há uma grande variabilidade fenotípica das pessoas com síndrome de Down, e sabemos que o estímulo é um fator muito importante para o desenvolvimento destas pessoas. Contudo, em uma de suas últimas publicações o senhor avalia que algumas especificidades genéticas do metabolismo da dopamina influenciam fortemente este fenótipo. O que o senhor tem a nos dizer sobre essa grande variabilidade e qual o peso destas questões genéticas?

R: No passado, tínhamos a visão de que, devido à trissomia no cromossomo 21, a contribuição de outros fatores genéticos não era relevante. Portanto, tivemos uma espécie de percepção homogênea dos indivíduos e parece que a síndrome de Down é tão heterogênea quanto o resto da população em geral.
6. Em seus estudos há também investigação sobre marcadores cognitivos como proteína beta-amiloide (AB-42). Você acredita que tais marcadores já poderiam ser utilizados clinicamente?

R: Estes biomarcadores ainda estão em avaliação. Podem ser úteis no contexto de um ensaio clínico, mas não podem ainda ser utilizados na prática clínica.

7. Há algum projeto futuro de pesquisa que poderia compartilhar conosco?

R: Iniciaremos muito em breve estudos em população pediátrica com síndrome de Down e EGCG. Acreditamos que os sujeitos nos estágios iniciais do neurodesenvolvimento são os que podem se beneficiar mais do tratamento.

 

Sobre a avaliação dos dois anos: o eterno embate entre a síndrome de Down e a minha necessidade de controle (Parte I)

Por causa do ano letivo, para que Luisa não perdesse o ritmo e a dinâmica da escola, decidimos adiar a avaliação médica dos dois anos, feitos em abril, para o mês de férias. Assim, em julho, partimos pra São Paulo para a avaliação semestral com esse pequeno atraso.

Luisa estava muito bem, o semestre foi inacreditavelmente bom e produtivo, ela teve inúmeros resfriados que não evoluíram, apenas um episódio em que veio a febre e os exames estavam todos ótimos. Então era uma avaliação despreocupada, só pra fins de controle mesmo. Diante de um cenário tão positivo e contando com a disposição da minha filha mais velha, Amanda, e do meu genro, Diego, lá fomos nós pra São Paulo no melhor estilo Família Buscapé. Só faltou o Moisés, o filho número 2.

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Pode parecer que estamos desembarcando na Noruega, mas é só impressão. É apenas Luisa preparada (eu diria exageradamente preparada) pras frentes frias do inverno paulistano desembarcando em SP.

Pois bem, meu castelo de sonhos começou a desmoronar já no oftalmologista, Dr. Jaime Roizenblatt. O que eu imaginava que seria uma consulta de rotina para avaliar o nistagmo, se tornou um episódio de muita frustração. Até começou bem, com a constatação de que o nistagmo desapareceu a olho nu. Dr. Jaime só conseguiu vê-lo com as lentes, durante o exame clínico.

Eu já sabia que seria esse o resultado, primeiro porque eu também não via mais o nistagmo a olho nu, mas sabia que ele ainda estava lá, pois Luisa ainda mantinha o olhar enviesado que também o caracteriza. Segundo, porque em abril, quando ela completou os dois anos, consultamos com uma Oftalmologista local, que fez uma avaliação completa, inclusive com mapeamento de retina para investigação de outras situações, que nos deu a mesma informação. Ficamos em êxtase e o Dr. Jaime impressionado. Comentei com ele que o bom resultado se devia ao ômega 3 com alta dosagem de DHA, que ela toma diariamente. Ele sorriu levemente, balançou a cabeça negativamente e foi taxativo – não! Hehehehehehe.

É muito difícil, mesmo diante de um caso concreto, uma mãe leiga desconstruir e convencer um médico de formação clássica sobre a eficácia de uma abordagem ainda não relacionada em Diretrizes e protocolos da sua especialidade. É claro que eu não discuti. Diante da literatura médica que afirma em uníssono que nistagmo não tem cura, e diante do quase total desaparecimento do nistagmo na Luisa, não há a menor necessidade de discussão. Além do mais, o Dr. Jaime não perde uma única estrelinha no céu estrelado da avaliação super positiva que faço dele como profissional, só porque discordamos sobre esse ponto. Espero poder continuar levando a Luisa com ele por muitos anos.

E eis que, passado o momento inicial de euforia e comemoração, vem o diagnóstico: Luisa precisa usar óculos para a hipermetropia, porque dificilmente acontece a autocorreção da hipermetropia na síndrome de Down. Essa última informação eu já sabia porque fui aluna do Dr. Jaime no módulo de Oftalmologia da Pós-graduação em síndrome de Down, onde ele compartilhou com a turma as publicações científicas sobre o tema. O que eu não sabia é que Luisa já tinha um grau de hipermetropia que demandava a correção com uso de lentes. E ela tinha sido avaliada pela Oftalmologista da minha cidade há menos de três meses……. Quanta frustração!!!! E raiva. Muita raiva!!!!!

Eu lembrava perfeitamente que uma das publicações científicas sobre o assunto indicadas pelo Dr. Jaime na pós, era uma publicação apresentada em Congresso Científico, que estabelece uma nova compreensão sobre a necessidade de uso de lentes para correção de hipermetropia mesmo que seja leve ou moderada, por todas as crianças, não apenas pelas crianças com síndrome de Down . Não era uma publicação obscura, inacessível ao profissional que está no exercício clinico. Então nem as publicações dos Congressos da área em que o profissional atua, chegam ao conhecimento de determinados profissionais? (Eis a publicação: http://www.ajo.com/article/S0002-9394(16)30363-4/abstract)

Como lidar com isso? Senti muita raiva nesse dia. Muita. Raiva de ter que chegar nos consultórios de oftalmologistas da minha cidade já com as recomendações sobre a proibição de uso de colírios derivados de atropina para crianças com síndrome de Down. Raiva de ter feito a avaliação oftalmológica do primeiro ano de vida em uma Oftalmologista que não “viu” o nistagmo da Luisa, enquanto a Psicopedagoga viu a olho nu. Raiva de ter que falar o tempo todo, ser a inconveniente o tempo todo, brigar o tempo todo, de ter que viajar para que a Luisa receba o atendimento especializado que não somente ela, mas que todo cidadão merece. Raiva de me sentir absolutamente insegura sobre a atenção à saúde que é dispensada a minha filha. Definitivamente, por mais que eu tente, não há quase nada sob meu controle. E isso é desesperador.

A recompensa só veio dois dias depois, quando vi como ela ficou linda de óculos ♥️ (Preciso escrever um post apenas para falar dos óculos).

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O primeiro registro da nova fase – de óculos. Cantando e dançando com a mana e com minha primeira neta canina, Daenerys.

Mas as surpresas, infelizmente, não acabaram por aí….. Só que vai ser preciso um outro post pra contar.

O Aplicativo Elo 21 – uma ferramenta empoderadora

Se há uma constatação de fácil comprovação por qualquer pessoa que conviva com famílias de pessoas com síndrome de Down no Brasil, é a de que as Diretrizes de Atenção à Pessoa com síndrome de Down do Ministério da Saúde são desconhecidas pela absoluta maioria dos profissionais da saúde que nos atendem. Esses profissionais, por desconhecimento e (infelizmente em alguns casos, por desinteresse), não seguem o protocolo mínimo de atenção ali relacionado.

Infelizmente essa é a realidade quando falamos de protocolos e diretrizes de saúde para as pessoas com a Trissomia do 21, não apenas no Brasil, como também em outros países, como comprova pesquisa recentemente publicada sobre o tema:

http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0009922816685817

Na pesquisa acima referida e linkada, é possível constatar que, mesmo quando os profissionais da área da saúde conhecem as diretrizes e protocolos locais, não os usam por julgarem baixa a expectativa de efetividade. É mais ou menos como estabelecer a seguinte máxima: diagnosticar e tratar a apneia do sono, por exemplo, vai “resolver” a síndrome de Down? Não. Então pra quê tratar?

É mais ou menos isso. Como se a qualidade de vida das pessoas com síndrome de Down não importasse, já que elas têm síndrome de Down mesmo. Revoltante!

Em um quadro como este, o empoderamento da família e da própria pessoa com síndrome de Down através de informações sobre os seus direitos na atenção à saúde é crucial, pois, de posse de tais informações, a família ou a própria pessoa pode exigir do sistema público de saúde todos os exames e procedimentos previstos na citada Diretriz.

Assim, se está lá escrito que tem que avaliar a função tireoidiana ao nascimento, então o SUS deve garantir os exames laboratoriais. Os Planos de Saúde também. Os médicos, mesmo os particulares, devem requerê-los.

Eis as Diretrizes:

Clique para acessar o diretrizes_atencao_pessoa_sindrome_down.pdf

E nesse contexto, portanto, se torna fundamental que essas informações cheguem até às famílias. Não apenas essas, como também outras informações relevantes que atualizem a lista de cuidados e de atenção, pois o tempo que separa a informação científica inovadora da prática cotidiana dos profissionais da saúde é enorme e causa grandes prejuízos às pessoas beneficiadas pelas inovações.

Portanto, é de extrema importância, neste cenário, o surgimento do aplicativo Elo21, totalmente gratuito, que pode ser baixado em qualquer smartphone, tanto no sistema Android, quanto no IOS, e permite às famílias acompanhar, controlar e fiscalizar os atendimentos de saúde de sua criança, permitindo também à pessoa com síndrome de Down fazê-lo de per si. Esta espécie de diário de saúde, permite ainda, ao usuário, tomar conhecimento não apenas das atualizações de informações, como de dicas práticas e sugestões dadas pelos profissionais envolvidos no projeto que resultou no aplicativo

O aplicativo é resultado do trabalho desenvolvido pelo grupo multidisciplinar Elo21, que reúne 20 profissionais da área da saúde da Santa Casa de São Paulo, entre médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, odontólogos, nutricionistas, educadores físicos, educadores e voluntários. À frente do Projeto está a geneticista Carla Franchi Pinto, Chefe do Ambulatório Multidisciplinar de Orientação à Síndrome de Down, da Santa Casa de São Paulo.

O Movimento Down, o Singularidade Down e o Projeto InclusivaMente participaram como parceiros desse projeto, no incentivo à participação de 200 famílias para avaliação do aplicativo, durante a fase de testes.

O aplicativo foi lançado oficialmente na segunda semana de fevereiro e já está funcionando.
Para baixar no sistema IOS é só acessar http://goo.gl/uV43AC
E para baixar no sistema Android é só acessar: http://goo.gl/nPHcfR

O caminho passa pelo empoderamento. img_2162

QUEM É A PESSOA NORMAL? Sobre o surgimento e reprodução do padrão de normalidade enquanto sujeito univeral – o padrão do homem branco, não periférico, heterossexual e sem deficiência

 

Os grupos privilegiados invisibilizam as minorias sociais na esfera pública, impondo inclusive simbolicamente, mas também com suas práticas e discursos, sua ética, suas visões de mundo, como “absolutas e naturais”.

Tais grupos não precisam ter ou ser a maioria da população em números absolutos. Essa dominação, que transforma aqueles que deles são diferentes em minorias, não tem nada a ver com quantidade de pessoas em seus grupos, mas tem a ver com representatividade e poder. Esses grupos têm representatividade em todas as esferas de poder – econômico, político, social. E é essa representatividade e poder que os estabelece como maioria e que define aqueles que não fazem parte de seu universo – os outros, como minorias.

E quem são essas pessoas? Há dois momentos na história recente que nos mostram isso. O primeiro aconteceu na composição do Governo Temer, quando ainda era Presidente Interino, e vimos 24 homens, todos brancos, todos ricos/não periféricos, sem deficiência e que se auto identificam como heterossexuais, assumirem o primeiro escalão de sua gestão.

Há dois dias, a lista dos 8 homens que juntos, detêm mais da metade da riquezas do mundo repetiu a mesma fórmula. Todos homens, brancos, todos obviamente bilionários, sem deficiência e que se auto identificam como heterossexuais. Você pode até questionar se Bill Gates tem autismo, mas, como ele não se auto identifica como tal, esse argumento não pode ser usado.

Diversidade de gênero, de raça/etnia, de orientação sexual, classe social, diversidade de corpos ou neurodiversidade? Esqueça. O que existe nesses núcleos de poder é UM PADRÃO.

Se expandirmos esses dois exemplos para outras situações idênticas, constataremos que, historicamente, na maioria esmagadora dos casos, é essa mesma estrutura que se reproduz. O que vemos, então, salvo as exceções do tempo histórico mais recente que confirmam a regra (composições mistas de poder político, econômico e social), é que historicamente se constrói a partir desses grupos que detêm o poder político e econômico a ideia da personificação do ser humano universal, que serviria de base, de modelo, de paradigma , para todos os seres humanos, o sujeito universal iluminista – o sujeito padrão, o sujeito normal.

A noção de sujeito universal contém todas essas características, pretensamente universais e, por isso, este sujeito se tornou uma categoria normativa livre e opressora (interpretação livre da definição de Judith Butler ao escrever sobre o tema, sem que ela tenha discutido neuronormatividade e deficiência). É a normatividade deste grupo que faz com que aqueles que não possuem tais características sejam tidos como “o outro, o diferente” (Simone de Beauvoir – novamente, aqui, a deficiência não estava em questão, mas, em uma interpretação livre, assumi que é possível estender o conceito). É essa normatividade opressora que torna os outros grupos oprimidos sem representatividade, ausentes, invisíveis (definição de Joan Scott sobre invisibilidade de gênero. Como ocorreu ao longo de todo o parágrafo, entendi que é possível estender o conceito à questão da deficiência).

Então, se hoje pensamos o sujeito normal como o ser humano sem deficiência, não foi somente porque Leonardo Da Vinci pensou dessa forma quando em 1490 representou o sujeito universal em sua obra O Homem Vitruviano, nem tampouco apenas porque o ideal de sujeito universal se consolidou no Iluminismo e na Modernidade, mas, também, porque historicamente, os grupos que detêm representatividade e poder impõem o silenciamento e a invisibilidade aos que eles consideram como os outros, como os diferentes.

Portanto, o sujeito normal nada mais é do que uma construção social, perceba. Assim como a normatividade opressora há séculos quer nos fazer crer que homens são mais valorosos ou hierarquicamente superiores às mulheres, que brancos o são em relação às outras raças/etnias, que aqueles que detêm o poder político e econômico são meritocraticamente superiores às populações periféricas, que a heterossexualidade é a condição “natural” de todos os sujeitos e que qualquer outra possibilidade de orientação sexual é uma “anormalidade” ou uma “anomalia”, da mesma forma essa mesma normatividade opressora nos quer fazer crer que o ser humano “normal” é o sujeito sem deficiência, e que qualquer deficiência o transforma em um sujeito com uma “anomalia”, hierarquicamente inferior, qualitativa e negativamente diferente, o outro incapaz, incompleto, deficiente.

Não devemos nos culpar por não ter visto isso desde sempre. Como disse Joan Scott, essa normatividade opressora invisibiliza os que não possuem as especificidades do sujeito universal. Mas tomar consciência desse contexto é muito importante para que vejamos que o conceito e a ideia de normalidade é artificial e que não se justifica racionalmente, já que a definição do que é normal é uma construção opressora de um grupo que não representa toda sociedade. Essa compreensão também nos permite entender o quanto é importante a nossa luta contra a continuidade da opressão desse padrão normativo. E essa luta é de todos – a menos que você se sinta representado por essa opressão e que deseje perpetua-la.

Todos somos diferentes, não há valor na diferença, ou seja, não é melhor ou pior ser diferente, já que não existe um padrão de valor, e o normal é ser diferente.

PS: apenas pra fazer a ponte com a minha postagem de uns dias atrás, se não é melhor, nem pior, ser diferente, se não há qualidade na diferença, então a deficiência não torna nada mais difícil, nem mais fácil em relação a não deficiência, apenas diferente (nem a maternidade/paternidade de pessoas com deficiência em relação à maternidade/paternidade das pessoas sem deficiência). As dificuldades que surgem na vida das pessoas com deficiência, assim como na maternidade/paternidade de uma pessoa com deficiência, e que são muito reais, inúmeras e frequentes, decorrem todas da mesma sociedade onde o padrão normativo opressor se reproduz, e não da deficiência, ou da pessoa. Nunca da pessoa.

E Luisa fez dois anos

O aniversário de dois anos da Luisa teve muitos significados pra mim. Por um lado tinham as questões relacionadas ao seu desenvolvimento, sobre as quais eu me sentia (e sinto) absolutamente responsável; e por outro tinham as minhas questões.

Como diz a música dos Paralamas, “do muito que eu li, do pouco que eu sei”, há um boom no neurodesenvolvimento no período entre os dois e três anos de idade. Então eu vinha me preparando para que, quando essa fase chegasse, pudéssemos proporcionar a ela os mais variados estímulos possíveis. Muito contato com a natureza, muito pé na terra, muitas atividades físicas, muita exposição a cores, sons, texturas, sabores, os mais variados, enfim. A sensação era a de que eu vinha me preparando para algo que era muito diferente ou além da rotina em que já vivíamos. Mas, quando o mês de abril chegou trazendo o seu aniversário, percebi que não havia nada de diferente a ser feito. Que o dia a dia de uma criança de dois anos já é naturalmente sujeito à exploração de novidades em todos os sentidos. Então não havia o que temer, não havia nenhuma preparação a fazer, não havia nada de especial em que eu devesse me capacitar ou fortalecer  para por em prática. Como eu disse no post que compartilhei nas minhas redes sociais no dia de seu aniversário, naquele dia eu percebi que nós sempre estivemos prontas uma pra outra.

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Essa percepção tornou possível mais leveza. Então a fase em que eu imaginava que seria muito intensa, de dedicação total, surpreendentemente chegou trazendo essa leveza, que em parte, se devia, também, à desconstrução que fiz das minhas percepções sobre a síndrome de Down, e à construção de uma nova compreensão, pautada no conceito de deficiência como uma construção social. Também ajudou a sedimentar essa leveza, o fato de que eu já me sentia muito mais no controle das questões de saúde da Luisa. As inúmeras comorbidades associadas à síndrome de Down já não me aterrorizavam tanto, porque já não eram estranhas ou desconhecidas. Eu já havia lido, estudado e pesquisado sobre boa parte delas. Minha pós graduação em síndrome de Down no CEPEC terminou em maio de 2016, um mês após o seu aniversário de dois anos, e os dezoito meses em que passei me dedicando aos estudos diminuíram o estranhamento, trouxeram familiaridade e acalmaram minhas angústias.

Se tem uma coisa de que não me arrependo e que faria igual novamente se pudesse voltar no tempo, foi ter buscado informações para assumir a responsabilidade pelas decisões sobre os caminhos a seguir na nutrição e equilíbrio metabólico da Luisa. Sem deixar de consultar, ouvir e debater com aqueles que são reconhecidos em seu meio como excelentes profissionais, sempre deixamos claro que a decisão era nossa, da família. Cada discordância levava a novos estudos e pesquisas. Cada negativa em fundamentar a sua posição levava ao natural afastamento daquele profissional que se recusa ao diálogo, que se recusa a expor os fundamentos de suas posições, que se recusa a ouvir as nossas, e nossos fundamentos. Passados dois anos, permaneço firme nas decisões tomadas até aqui.

Então o aniversário de dois anos funcionou como um marco, pois provocou a reflexão que me permitiu perceber o que se manteve, e o que se modificou, que me permitiu organizar minhas reflexões sobre uma série de questões, me permitindo seguir em frente com muito mais tranquilidade. São dois anos de uma maternidade vivida intensamente. Luisa faz tudo valer a pena.

E pra comemorar, teve festinha na escola, com bolo de chocolate (sem glúten, leite animal e açúcar refinado – e ainda assim delicioso) e outras guloseimas na mesma linha. E ela adorou! (Fotos abaixo)

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Sobre a Itália e a Holanda (ou o caminho da praia e da montanha) e a síndrome de Down

Quando nasce uma criança com síndrome de Down, é inevitável que a mãe encontre a leitura de um texto chamado Bem vindo à Holanda. O texto fala sobre o inesperado, fazendo uma metáfora com a programação de uma viagem. A pessoa planejou ir à Itália mas desembarcou na Holanda. Ok, não é a Itália, mas é a também belíssima Holanda. Então se vc entender que a Holanda tem suas belezas únicas, vai deixar de ficar triste por ter chegado a um destino diferente do planejado, já que também é um destino lindo. Há também o vídeo de várias famílias indo pelo caminho/estrada da praia com seu bebê, enquanto a família de uma bebê com paralisia cerebral tem que pegar o caminho/estrada da montanha, muito mais árduo, mas igualmente lindo e recompensador. No final das contas, é uma outra abordagem do luto do filho idealizado.

A questão com essas duas metáforas é que elas pressupõem que o destino escolhido e o caminho da praia existam naturalmente, quando na verdade eles são construções sociais. Pressupõem que se a criança não nasceu com deficiência a família vai parar no destino desejado ou na estrada mais fácil. E todos, todos os que são pais sabem que não existe isso. E não existe, simplesmente porque não há um padrão de ser humano. O filho idealizado não passa disso, de uma idealização. Todas as pessoas são únicas e diferentes umas das outras e a interação com seus pais proporciona diferentes experiências de maternidade/paternidade. Não há um padrão a ser tido como “normal” . Não há receita pra criar filho justamente porque não há padrão. Se todos são diferentes, o que existe são múltiplos destinos e estradas. Então existe o destino/estrada do autismo (que pode se ramificar em tantas outras que nem sei), da sd (igualmente ramificada), da deficiência visual, da deficiência auditiva, do TDAH, da dificuldade de aprendizagem, da deficiência física(inclusive a adquirida, superveniente), da paralisia cerebral, das altas habilidades, da dificuldade de aprendizagem, da depressão, da esquizofrenia, da inabilidade ou fobia social, da agressividade, dos distúrbios do desenvolvimento, dos distúrbios de fala, da doença incapacitante, das comorbidades e patologias que representam risco à vida…… enfim…. quem pode saber o que nossos filhos irão apresentar durante a vida, no momento ou após o nascimento? Diante de tantas possibilidades, existe mesmo chegar ao destino escolhido? Pegar a estrada mais fácil?

Claro que não. Ocorre que em razão das expectativas que criamos em torno do filho que vai nascer, nunca chegaremos ao destino escolhido, PORQUE ESSE DESTINO É UMA IDEALIZAÇÃO, construída sobre aquilo que valorizamos. E o caminho nunca, nunca, nunca será fácil. Em nenhuma hipótese. Pode ser que em muitos aspectos seja mais simples estar em alguns destinos ou trilhar por alguns caminhos. Mas, apenas em alguns aspectos. Todas as jornadas têm seus problemas. E é nisso que reside a riqueza da natureza humana, a capacidade de se adaptar a qualquer circunstância. Não se preocupe, mãe/pai de criança com síndrome de Down. Se seu filho(a) não tivesse a síndrome, também não haveria garantias de que seria fácil, de que você chegaria ao destino escolhido ou pegaria o caminho da praia. Na verdade, diante das expectativas maternas/paternas a probabilidade é de que isso jamais aconteça. Então vamos aproveitar nossa jornada. Ela é única, pessoal e intransferível. E como todas as outras, é árdua, mas também é bela. Divirta-se.

PS: quem vos fala é uma mãe que teve luto do filho idealizado, que chorou pq não desembarcou na Itália e que suspirou ao ver o tamanho da montanha que tinha que subir. Demorou um tempo pra que eu percebesse a “normalidade” como construção social e, portanto, deixasse de sofrer por uma idealização. Quando percebi, finalmente entendi que ninguém desembarca na Itália, e que todos os caminhos passam pelas montanhas. Como esse entendimento me trouxe mais leveza, minha intenção é levar essa leveza a quem se identificar. ❤

Um semestre esplendoroso

O planejamento para o primeiro semestre de 2016 ainda teve alguns ajustes em março, quando deixamos a sessão semanal de fisioterapia dentro da clínica e ficamos apenas com a sessão da “Fisio na Praça”, em abril, quando Luisa iniciou na Musicoterapia e, em maio, quando iniciamos o atendimento com uma nova TO.  Não obstante, foi um período de estabilidade e rotina, sem sobressaltos.

É possível dizer que o semestre correu muito bem, tanto no que diz respeito às terapias como no que diz respeito à escola. Luisa adora a escola, as professoras e os colegas. Quase sempre é a primeira a chegar em sala de aula e não faz questão de voltar pra casa. É notável a felicidade dela ao chegar à sala de aula. A professora Ana Claudia certamente tem uma parcela enorme do mérito, porque é uma profissional de uma empatia incrível, as crianças a adoram. E como ela é Especialista em Musicoterapia, trabalha muito a parte musical com as crianças. E Luisa ama música. Gosta tanto que vive pela casa com seu tamborzinho de sucata tocando e cantando, como vemos nos vídeos abaixo:

E junto com as músicas vieram as dancinhas e coreografias. Luisa não pode ouvir uma música que dança. E as coreografias? Ela aprende todas. Eu tinha que ir até a escola filmar a professora  fazendo as coreografias, pra poder aprender também e fazer junto com ela. E assim a música e dança passaram a ter cada vez mais espaço nas nossas rotinas.

Por causa dessa paixão dela por música, ficamos extremamente felizes quando finalmente conseguimos encaixar sessões de musicoterapia em nossos horários. Assim, no final de abril iniciamos as sessões semanais de musicoterapia com a professora Mariana Braga

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Voltando à escola, a avaliação da Luisa ao final do primeiro trimestre foi muito positiva e todos, inclusive o Diretor, pareciam muito felizes ao nos cumprimentarem pelo bom desempenho dela. Ela adquiriu todas as habilidades propostas para o trimestre e sua socialização foi perfeita desde o primeiro dia, quando ela e Gabriel se escolheram para cuidar um do outro assim que se conheceram (foto abaixo):

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Acredito que o fato dela ter faltado um único dia em todo o semestre – e na última semana de aula, ajudou bastante em seu desempenho. Apesar de ter contraído vários resfriados durante o semestre, nenhum deles evoluiu a ponto de levá-la a faltar, mesmo com a sinusite crônica que ela tem. E quando ela contraiu algo que poderia levar a faltas, como foi o caso do surto de esromatite em sua sala de aula, veio um feriado emendado em um fim de semana, então na segura feira subsequente seu pronto restabelecimento permitiu que ela estivesse presente nas aulas.

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Essa foi a principal característica da saúde da Luisa nesse período – as viroses não evoluíam, a sinusite não complicava e a recuperação acontecia em um espaço de tempo menor. Confesso, inclusive, que eu esperava e me preparava para uma situação mais rotineira de viroses por causa da conjugação dos fatores inverno amazônico (chuvas diárias com mudança abrupta de temperatura) e aglomeração de crianças na escola, mas fui surpreendida positivamente. O que eu fazia (e ainda faço) quando o nariz começava a escorrer era dar banho de imersão em sal amargo (cloreto de magnésio) para reforçar a imunidade (dica da Christiane Aquino), lavar o nariz com soro constantemente, além de fazer algumas nebulizações por dia quando a secreção estivesse  muito espessa.  Quando a tosse se tornava “barulhenta”, fazíamos sessões de fisioterapia respiratória para expelir a secreção e a pediatra local prescrevia (e ainda prescreve) Acetilcisteína em todas as ocasiões.

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E assim passamos o semestre das chuvas sem antibióticos, anti-inflamatórios, corticoides e anti-histamínicos, vendo os quadros de virose se reverterem em um tempo não muito longo. Como toda regra tem sua exceção, no caso o que demorou a desaparecer foram os piolhos. Como eu não aceitei usar fármacos, nas vezes que Luisa pegou piolho, partimos pros processos mais demorados de limpar a cabeça com pente fino e usar apenas remédios caseiros sem contra indicação ou efeitos colaterais. É incrível como essa praga nojenta continua presente na vida das famílias até hoje.

No meio do semestre, em abril, comemoramos seu aniversário de dois anos, mas falarei sobre esse  assunto em um post específico. Para que ela não perdesse aula, optamos por não seguir a programação regular de levá-la para as consultas em São Paulo de seis em seis meses e adiamos assim a consulta de abril para o mês de julho, com a ideia de passar a viajar apenas nos meses de recesso escolar. O seu bom desenvolvimento nos deu a tranquilidade necessária para decidir por esse adiamento, pois ela parecia muito saudável e sapeca (inclusive com as estereotipias bem reduzidas), subindo nos móveis e aprontando de tudo, como se esticar toda no cadeirão pra pegar um pote de chocolate e comê-lo…….todo!!!!!

E com isso chegamos ao final do semestre e à tradicional festa de São João. Muitos ensaios em sala de aula e muita expectativa para o dia. E ela estava linda fazendo sua dancinha com os coleguinhas. As fotos que estão expostas, em que outras crianças aparecem, foram autorizadas pelos seus pais.

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Foi na segunda feira subsequente à festa de São João da escola que Luisa começou a apresentar os primeiros sintomas de uma nova virose. E na noite da segunda para a terça feira veio a febre, motivo pelo qual ela teve sua primeira (e única) falta na escola em seu primeiro ano letivo. Porém, na própria terça feira ela já ficou bem, a febre não voltou e a noite de terça e manhã do dia seguinte transcorreram normalmente, sem sinais de que a virose permanecia. Então ela voltou a ir pra aula, concluindo a ultima semana do semestre pelo qual somos tão agradecidos.

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A dieta “low FODMAP”

Se por um lado o ano de 2016 iniciou com muitas novidades no que diz respeito à escola e às terapias, por outro lado, nesse período nós estávamos envolvidos com o auge da minha velha  preocupação com a distensão abdominal da Luisa. Quando ela tinha menos de um ano, eu creditava a distensão à hipotonia da musculatura abdominal. Porém, com mais de um ano e meio e a marcha em ordem, já não dava mais para acreditar que o seu abdômen globoso tinha na hipotonia sua única razão de ser.

Somada a isso, havia a questão da alteracai sensorial, que certamente era um dos motivos das estereotipias. Após a limpeza dos metais pesados com clorella elas desapareciam, mas, alguns meses depois, sempre voltavam. Esse retorno me fez questionar se não havia outro motivo associado para a alteração sensorial que causava as estereotipias, e, como o intestino é o segundo cérebro, conversei longamente com nossos médicos sobre a possibilidade de que a reação que causava a distensão abdominal também estivesse alterando o processamento sensorial.

Fizemos então uma investigação do sistema digestivo menos completa do que a que eu gostaria. Colhemos exames de fezes, que deram ok, exames de sangue para alergias alimentares, nada também, e exame de urina. Eu já sabia que os exames de sangue dificilmente acusariam alergias alimentares específicas na idade dela, mas não realizá-los sempre deixaria a dúvida. Eu também gostaria de ter feito um exame de urina bem completo chamado ácidos orgânicos em um laboratório no exterior. Cheguei a pagar o envio do material de coleta para a minha casa, mas, como Luisa havia feito a limpeza dos metais pesados com clorella em janeiro, tinha que esperar um tempo, cerca de um mês, pra poder colher o exame. Então a avaliação inicial foi feita com exames simples de urina dos laboratórios locais mesmo. Como, ao exame clínico, Luisa apresentava muitos gases e, como não havia alterações consistentes em seus exames laboratoriais, focamos em um tratamento de seis semanas para distensão abdominal chamado “Low FODMAP”.

Todas as informações sobre a dieta de baixo FODMAP podem ser encontradas no site da Federação Brasileira de Gastroenterologia: http://www.fbg.org.br/Conteudo/2248/49/Dieta+com+baixo+teor+de+fodmaps

Algumas coisas foram fáceis de seguir, outras mais complicadas, porque Luisa consumia grãos e leguminosas diariamente. Na fase de reintrodução desses alimentos, percebemos o quanto os grãos e leguminosas causavam reação de distensão abdominal nela (mesmo ficando de molho por 12 horas ou mais) e abolimos a regularidade da oferta desses alimentos a partir de então. A retirada provisória de algumas frutas também foi complicada. Nossa sorte é que o abacate foi liberado para consumo moderado e a banana se tornou nosso grande trunfo, não apenas ao natural como também na forma de panquecas e bolos.

Assim, quando chegou o carnaval já estávamos muito próximos do final da dieta, e já se podia perceber claramente uma boa diminuição no volume abdominal da Luisa, que continuava com alguma distensão, mas nada que se comparasse ao que era antes. É o que podemos constatar nesse vídeo feito durante o baile de carnaval da escola:

Falando no primeiro baile de carnaval da escola, Luisa apeoveitou tanto que no final foi flagrada sentada no chão do salão, bocejando. Parece que a festa foi mesmo muito boa!!!!! Eis a foto do flagra:

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Bate papo com a Drª Rosa Anna Vacca

Meu grande amigo e companheiro de estudos. pesquisas e empreitadas, Rogério Lima, mantém um contato próximo com a a Drª Rosa Anna Vacca, um dos grandes nomes da pesquisa em síndrome de Down no mundo. Por ocasião da publicação de seu último artigo sobre os benefícios dos polifenóis para as pessoas com síndrome de Down, fruto de pesquisa financiada pela Fundação Lejeune, Rogério aproveitou para, em um bate papo informal, aprofundar algumas questões relacionadas ao seu trabalho. A tradução do bate papo foi de outro pai de criança com síndrome de Down, o Thiago Holanda, pai do Levi.

Dra Rosa Anna Vacca é pesquisadora italiana ligada ao Instituto de Biomembranas e Bioenergética italiano. Especialista em bioenergética mitocondrial, seus objetivos científicos de pesquisa têm tido como foco as funções mitocondriais e a sinalização celular que regula as funções mitocondriais em condições fisiopatológicas. Já publicou 35 artigos científicos em revistas internacionais de alto impacto. Dentre estes, os mais recentes tratam da síndrome de Down.
Nos últimos cinco anos, coordenou vários estudos com o objetivo de identificar novos alvos potenciais para disfunções mitocondriais e novos fármacos, incluindo compostos naturais, para a síndrome de Down, e para outras condições genéticas relacionadas à deficiência intelectual, como a síndrome de Rett e a síndrome do X frágil. A Fundação Jerome Lejeune de Paris, financiou parte dessas pesquisas, especialmente as que trataram da síndrome de Down.
Recentemente, publicou uma revisão discutindo o uso de alguns compostos polifenólicos, como EGCG e resveratrol, como potencial ferramentas terapêuticas na prevenção ou no manejo de algumas manifestações clínicas associadas ao déficit de energia mitocondrial na síndrome de Down, bem como em outros comprometimentos relacionados à deficiência intelectual.
Além de tudo isso, Drª Rosa Anna Vacca exerce um duplo papel no que se refere à síndrome de Down, o cientista e mãe de um menino de 12 anos com a síndrome.

1. Como e por que você decidiu se dedicar à pesquisa científica sobre a Síndrome de Down?

Quando meu filho Enrico nasceu, há doze anos, com uma trissomia livre do cromossomo 21, um médico tentando me confortar, disse: “ele será uma eterna criança”, ele me disse também “não há cura para a deficiência intelctual na Síndrome de Down, você deve amá-lo como é, sua idade mental será no máximo como uma criança de cerca de 10 anos de idade, comece o mais cedo possível com o treinamento cognitivo”.

Claro que amo muito meu filho e o amei desde o início de sua vida, especialmente por sua grande empatia e capacidade de dar amor. No entanto, as palavras que o médico disse quando ele nasceu, me levaram a buscar saber muito mais sobre esta síndrome. Percebi que apesar da causa genética da Síndrome de Down – SD ser conhecida há mais de cinqüenta anos, a base molecular era quase desconhecida há dez anos atrás. Eram feitas apenas pesquisas genéticas, mas sem estudos funcionais.

Em 2008, comecei a estudar a patogênese da Síndrome de Down no meu campo de atuação, o metabolismo energético mitocondrial, graças a uma doação recebida da Fundação Jerome Lejeune de Paris, com o objetivo de aprofundar as pesquisar sobre a patogênese e buscando possíveis estratégias terapêuticas para o meu filho Enrico e para outras pessoas com a síndrome. Eu acho que dei minha modesta contribuição para o conhecimento da SD com 8 publicações científicas nos últimos 5 anos.

2. Quanto à sua última revisão sobre o uso de polifenóis por pessoas com síndrome de Down, você poderia explicar, em geral, às famílias que têm pessoas com SD e não estão familiarizadas com a pesquisa acadêmica, o quão importante é esse uso?

Demonstrou-se por meio de nossos e de outros estudos de grupos de pesquisa que várias vias celulares, críticas para uma boa função do metabolismo celular e funcional, são prejudicadas na síndrome de Down. Estas incluem vias que regulam as funções mitocondriais, cujas alterações na síndrome de Down causam disfunções mitocondriais com uma diminuição da produção de energia para a célula e com um aumento concomitante da produção de espécies de radicais livres por mitocôndrias danificadas que induzem estresse oxidativo.
É possível prevenir o déficit energético e neutralizar o estresse oxidativo na SD com uma abordagem nutricional e natural. Nós focamos na dieta de polifenóis por causa dos seus benefícios conhecidos para o tratamento de diversas doenças, porque têm baixos efeitos secundários e são seguros para tratamentos de longo prazo. Além disso, estão comercialmente disponíveis como suplementos dietéticos a custos acessíveis.

Os polifenóis das plantas têm uma ação multimodal em várias vias metabólicas alteradas na SD. Eles modulam o metabolismo da homocisteína, protegem contra danos oxidativos no DNA e a peroxidação das proteínas, modulam negativamente o receptor GABA (A) e ativam a neuroplasticidade, regulam a biogênese e as funções mitocondriais e a homeostase redox (estado de oxidação), além de ativar a neurogênese do hipocampo.

3. Nas observações finais desta revisão, a recomendação é que as intervenções de fornecimento de polifenóis devem começar o mais cedo possível, devido à neurodegeneração e ao envelhecimento precoce associados aos processos oxidativos da SD. Hoje, teríamos uma idade ideal para iniciar tais intervenções ?

Nossa hipótese é que os polifenóis de plantas, têm ação multi-alvo em vias metabólicas alteradas na SD, podendo melhorar o comportamento cognitivo em crianças com síndrome de Down e sua saúde geral. Além disso, o uso sistemático da integração de polifenóis poderia prevenir o declínio cognitivo e o envelhecimento precoce em indivíduos adultos com SD.
Para as crianças, esta suplementação deve ser iniciada dentro de um ano de idade e para o sujeito já adulto antes que os sintomas de neurodegeneração possam começar, ou seja, não mais tarde dos 20 – 30 anos. É claro que o tratamento deve ser contínuo com apenas uma curta pausa (se houver), porque eles poderiam reverter a conseqüência do desequilíbrio genético causado pela trissomia do cromossomo 21 que ainda permanecem.

4. Especificamente quanto ao EGCG, existem estudos clínicos com adolescentes com mais de 16 anos com SD, realizados por um grupo de investigadores espanhóis, além do estudo de caso do seu filho, aos 10 anos. Para além destes estudos clínicos, existem vários estudos com ratos modelo. Inúmeras famílias estão interessadas em introduzir EGCG. Em face da pesquisas atuais, quais são as recomendações de segurança em termos de dosagens?
A dosagem segura para a suplementação de EGCG é de 10-15 mg de EGCG por Kg de peso corporal. Em minha experiência a pessoa deve tomar em uma dose na manhã antes do café da manhã. Combinação de EGCG com óleo de peixe contendo ômega-3 melhora a sua biodisponibilidade e eficácia. Além disso, sugiro adicionar a cada 3 ou 4 dias uma suplementação com ácido folínico. O metabolismo do folato já está alterado na SD e o EGCG poderia potencialmente inibir uma enzima desta via

5. É possível obter a dosagem eficaz de EGCG a partir do consumo de chá verde?

Eu não penso assim. Seria necessário beber várias xícaras de chá verde por dia. Entretanto, neste caso, ocorreria o efeito excitatório da cafeína que poderia ser prejudicial.

6. Há vários estudos utilizando o polifenol resveratrol, mas nenhum ainda havia sido realizado em modelos de SD. Você foi a primeira a usá-lo. O que a levou a usá-lo como um componente nutracêutico? Os resultados foram satisfatórios?
Resveratrol, em particular o isômero mais ativo do resveratrol, o TRANS-RESVERATROL, é um dos mais bem estudados polifenois com propriedades pleiotrópicas em vários comprometimentos, mas nunca estudado, antes de mim, na síndrome de Down.
Pode ser encontrado em peles de uvas e outras bagas, incluindo bilberries, cranberries e blueberries. O amendoim e a sua manteiga são outra fonte de alimento que contém resveratrol. No entanto, a quantidade de resveratrol no alimento é muito baixa, por isso é particularmente difícil de obter via dieta, mas relativamente fácil de obter na forma pura, assim o trans-resveratrol representa um candidato ideal para fins nutracêuticos, dado os seus efeitos benéficos em animais e seres humanos, em grande variedade de órgãos e tecidos.
Resveratrol é particularmente interessante na síndrome de Down para seus alvos especiais, um deles é microRNA-155. Trata-se de um microRNA multifuncional típico que regula a expressão de vários genes, sendo muito expresso na síndrome de Down porque é codificado pelo cromossomo 21. Foi demonstrado que os cérebros de pessoas com síndrome de Down produzem miR-155 extra, o que diminui os níveis de SNX27, por sua vez diminuindo os receptores de glutamato de superfície. Isso afeta a aprendizagem, memória e comportamento na síndrome de Down. Além disso, a super expressão de miR-155 diminui o Fator de Transcrição Mitocondrial A (TFAM) e a biogênese mitocondrial e suas funções.
O resveratrol diminui os níveis de miR-155 e isso pode normalizar estas vias na síndrome de Down e também em outros modelos com este comprometimento.
Em nosso estudo, descobrimos que o resveratrol recupera o déficit de atividades da cadeia respiratória mitocondrial, presente também em células neuronais, o que, por sua vez, resgata o déficit de produção de ATP mitocondrial, resgata o déficit de energia celular e aumenta a proliferação de células progenitoras neurais e neurogênese.
Um problema com o resveratrol é a sua baixa biodisponibilidade, mas existem formulações especiais que tornam o resveratrol mais biodisponível e precursores do resveratrol que podem entrar muito rapidamente nas células e são transformados no interior em resveratrol.

7. Voltando aos usos práticos dos resultados da revisão de polifenóis. Além do EGCG você mencionou o uso de resveratrol e hidroxitirosol. É possível obter níveis satisfatórios da dieta ou seria necessário suplementação?

No que diz respeito ao resveratrol, consulte a resposta à pergunta 6. Quanto ao hidroxitirosol, o azeite de oliva contém elevada quantidade deste polifenol, assim, uma dieta rica em azeite de oliva poderia ser útil para a ativação das mitocôndrias e reduzir o estresse oxidativo.

8. Existe algum projeto de pesquisa futuro que você possa compartilhar conosco?

Estou continuando a estudar base molecular para disfunções mitocondriais e estresse oxidativo na síndrome de Down. Além disso, estamos organizando dois ensaios clínicos na primeira infância e com adultos jovens com síndrome de Down com uma combinação de polifenóis e nutracêuticos. Apenas se a sua eficácia for testada e a eficácia de seu resultado for obtida num grande grupo de indivíduos em estudos clínicos específicos, estes polifenóis com o seu uso apropriado, serão disponibilizados para todas as comunidades de síndrome de Down.
Estamos à procura de agências para doações para esses projetos.
Infelizmente pesquisa sobre a síndrome de Down é pouco financiada porque não se acredita em chance de cura, por isso, especialmente no meu país, Itália, para mim é muito difícil ir em frente. Felizmente meu filho Enrico me dá o estímulo para continuar, apesar de tudo e das muitas dificuldades!
Tradução da entrevista com Rosa Anna Vacca:

1. Como e por que você decidiu se dedicar à pesquisa científica sobre a Síndrome de Down?

Quando meu filho Enrico nasceu, há doze anos, com uma trissomia livre do cromossomo 21, um médico tentando me confortar, disse: “ele será uma eterna criança (revisar)”, ele me disse também “não há cura para a deficiência intelctual na Síndrome de Down, você deve amá-lo como é, sua idade mental será no máximo como uma criança de cerca de 10 anos de idade, comece o mais cedo possível com o treinamento cognitivo”.

Claro que amo muito meu filho e o amei desde o início de sua vida, especialmente por sua grande empatia e capacidade de dar amor. No entanto, as palavras que o médico disse quando ele nasceu, me levaram a buscar saber muito mais sobre esta síndrome. Percebi que apesar da causa genética da Síndrome de Down – SD ser conhecida há mais de cinqüenta anos, a base molecular era quase desconhecida há dez anos atrás. Eram feitas apenas pesquisas genéticas, mas sem estudos funcionais.

Em 2008, comecei a estudar a patogênese da Síndrome de Down no meu campo de atuação, o metabolismo energético mitocondrial, graças a uma doação recebida da Fundação Jerome Lejeune de Paris, com o objetivo aprofundar as pesquisar sobre a patogênese e buscando possíveis estratégias terapêuticas para o meu filho Enrico e para outra pessoa com Síndrome de Down. Eu acho que dei minha modesta contribuição para o conhecimento da SD com 8 publicações científicas nos últimos 5 anos.

2. Quanto à sua última revisão sobre o uso de polifenóis em pessoas com síndrome de Down, você poderia explicar, em geral, às famílias que têm pessoas com SD e não estão familiarizados com a pesquisa acadêmica, o quão importante é esse uso?

Demonstrou-se por meio de nossos e de outros estudos de grupos de pesquisa que várias vias celulares, críticas para uma boa função do metabolismo celular e funcional, são prejudicadas na Síndrome de Down. Estas incluem vias que regulam as funções mitocondriais, cujas alterações na Síndrome de Down causam disfunções mitocondriais com uma diminuição da produção de energia para a célula e com um aumento concomitante da produção de espécies de radicais livres por mitocôndrias danificadas que induzem estresse oxidativo.
É possível prevenir o déficit energético e neutralizar o estresse oxidativo na SD com uma abordagem nutricional e natural. Nós focamos na dieta de polifenóis por causa dos seus benefícios conhecidos para o tratamento de diversas doenças, porque têm baixos efeitos secundários e são seguros para tratamentos de longo prazo. Além disso, estão comercialmente disponíveis como suplementos dietéticos a custos acessíveis.

Os polifenóis das plantas têm uma ação multimodal em várias vias metabólicas alteradas na SD. Eles modulam o metabolismo da homocisteína, protegem contra danos oxidativos no DNA e a peroxidação das proteínas, modulam negativamente o receptor GABA (A) e ativam a neuroplasticidade, regulam a biogênese e as funções mitocondriais e a homeostase redox (estado de oxidação), além de ativar a neurogênese do hipocampo.

3. Nas observações finais desta revisão, a recomendação é que as intervenções de fornecimento de polifenóis devem começar o mais cedo possível, devido à neurodegeneração e ao envelhecimento precoce associados aos processos oxidativos da SD. Hoje, teríamos uma idade ideal para iniciar tais intervenções ?

Nossa hipótese é que os polifenóis de plantas, tem ação multi-alvo em vias metabólicas alteradas na SD, podendo melhorar o comportamento cognitivo em crianças com síndrome de Down e sua saúde geral. Além disso, o uso sistemático da integração de polifenóis poderia prevenir o declínio cognitivo e o envelhecimento precoce em indivíduos adultos com SD.
Para as crianças, esta suplementação deve ser iniciada dentro de um ano de idade e para o sujeito já adulto antes que os sintomas de neurodegeneração possam começar, ou seja, não mais tarde dos 20 – 30 anos. É claro que o tratamento deve ser contínuo com apenas uma curta pausa (se houver), porque eles poderiam reverter a conseqüência do desequilíbrio genético causado pela cromossomo 21 trissomia que ainda permanecem.

4. Especificamente no EGCG, existem dois estudos clínicos com adolescentes com mais de 16 anos com DS, realizados por um grupo de investigadores espanhóis, além do estudo de caso do seu filho, aos 10 anos. Para além destes estudos clínicos, existem vários estudos com modelos de rato. Inúmeras famílias estão interessadas em introduzir EGCG. Em face da pesquisa atual, quais são as recomendações de segurança em termos de dosagens?
A dosagem segura para a suplementação de EGCG é de 10-15 mg de EGCG por Kg de peso corporal. Em minha experiência deve tomar em uma dose na manhã antes do café da manhã. Combinação de EGCG com óleo de peixe contendo ômega-3 melhora a sua biodisponibilidade e eficácia. Além disso, sugiro adicionar a cada 3 ou 4 dias uma suplementação com ácido folínico. O metabolismo do folato já está alterado na SP e o EGCG poderia potencialmente inibir uma enzima desta via

5. É possível obter a dosagem eficaz de EGCG a partir do consumo de chá verde?

Eu não penso assim. Seria necessário beber várias xícara de chá verde por dia. Entretanto, neste caso, ocorreria o efeito excitatório da cafeína que poderia ser prejudicial.

6. Há vários estudos usando o polifenol resveratrol, mas nenhum ainda foi realizado em modelos de SD. Este ano, você foi o primeiro a usá-lo. O que levou a usá-lo como um componente nutracêutico? Os resultados foram satisfatórios?
Resveratrol, em particular o isômero mais ativo do resveratrol o TRANS-RESVERATROL é um dos mais bem estudados polifenois com propriedades pleiotrópicas em vários comprometimentos, mas nunca estudado, antes de mim, na síndrome de Down.
Pode ser encontrado em peles de uvas e outras bagas, incluindo bilberries, cranberries e blueberries. O amendoim e a sua manteiga são outra fonte de alimento que contém resveratrol. No entanto, a quantidade de resveratrol no alimento é muito baixa, por isso é particularmente difícil de obter via dieta, mas relativamente fácil de obter na forma pura, assim o trans-resveratrol representa um candidato ideal para fins nutracêuticos, dado os seus efeitos benéficos em animais e seres humanos, em grande variedade de órgãos e tecidos.
Resveratrol é particularmente interessante na síndrome de Down para seus alvos especiais, um deles é microRNA-155. Trata-se de um microRNA multifuncional típico que regula a expressão de vários genes, sendo muito expresso na síndrome de Down porque é codificado pelo cromossomo 21. Foi demonstrado que os cérebros de pessoas com síndrome de Down produzem miR-155 extra, o que diminui os níveis de SNX27, por sua vez diminuindo os receptores de glutamato de superfície. Isso afeta a aprendizagem, memória e comportamento na síndrome de Down. Além disso, a super expressão de miR-155 diminui o Fator de Transcrição Mitocondrial A (TFAM) e a biogênese mitocondrial e suas funções.
O resveratrol diminui os níveis de miR-155 e isso pode normalizar estas vias na síndrome de Down e também em outros modelos com este comprometimento.
Em nosso estudo, descobrimos que o resveratrol recupera o déficit de atividades da cadeia respiratória mitocondrial, presente também em células neuronais, o que, por sua vez, resgata o déficit de produção de ATP mitocondrial, resgata o déficit de energia celular e aumenta a proliferação de células progenitoras neurais e neurogênese.
Um problema com o resveratrol é a sua baixa biodisponibilidade, mas existem formulações especiais que tornam o resveratrol mais biodisponível e precursores do resveratrol que podem entrar muito rapidamente nas células e são transformados no interior em resveratrol.

7. Voltando aos usos práticos dos resultados da revisão de polifenóis. Além do EGCG você mencionou o uso de resveratrol e hidroxitirosol. É possível obter níveis satisfatórios da dieta ou seria necessário suplementação?

No que diz respeito ao resveratrol, consulte a resposta à pergunta 6. Quanto ao hidroxitirosol, o azeite de oliva contém elevada quantidade deste polifenol, assim, uma dieta rica em azeite de oliva poderia ser útil para a ativação das mitocôndrias e reduzir o estresse oxidativo.

8. Existe algum projeto de pesquisa futuro que você possa compartilhar conosco?

Estou continuando a estudar base molecular para disfunções mitocondriais e estresse oxidativo na síndrome de Down. Além disso, estamos organizando dois ensaios clínicos na primeira infância e com adultos jovens com síndrome de Down com uma combinação de polifenóis e nutracêuticos. Apenas se a sua eficácia for testada e a eficácia de seu resultado for obtida num grande grupo de indivíduos em estudos clínicos específicos, estes polifenóis com o seu uso apropriado, serão disponibilizados para todas as comunidades de síndrome de Down.
Estamos à procura de agências para doações para esses projetos.
Infelizmente a pesquisa sobre a síndrome de Down é mal financiado porque não se acredita na chance de cura, por isso, especialmente no meu país, Itália, para mim é muito difícil ir em frente. Felizmente meu filho Enrico me dá o estímulo para continuar apesar de tudo e muitas dificuldades!

OBS: Esta é a publicação de que trata a entrevista: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0149763416305747

O rebote do luto

Eu entendo o luto uma consequência das considerações sociais sobre a síndrome de Down. Penso que entramos no famoso luto do filho idealizado porque nos constituímos como pessoas em uma sociedade que considera as pessoas com síndrome de Down diferentes, em um sentido negativo ou inferior, das pessoas “normais”.

O conceito de normalidade não é neutro. Ele é construído social e historicamente, no contexto de uma sociedade que, desde a Antiguidade Clássica, passando pelo Darwinismo e outras teorias, idealiza uma perspectiva de funcionalidade e capacidade excludente e a estabelece como padrão de  normalidade. E todos aqueles que não se enquadram nesse padrão são considerados inferiormente diferentes.

Entendo que, muitas vezes até mesmo de forma não reflexiva, porque não nos damos conta disso, temos todas essas construções em nós  no momento em que nossas crianças nascem, por isso é tão corriqueiro que as pessoas desejem um filho “normal” e sofram ao constatar que ele é “diferente”.

E na síndrome de Down há um outro motivo de angústia, que é a possibilidade da ocorrência de diversas comorbidades associadas à síndrome. Esse foi um motivo de muita angústia pra mim. Queria minha filha viva e bem. Isso era maior que as questões relativas unicamente à síndrome desde o início. E esse sentimento de angústia pode se misturar ao luto do filho idealizado, alimentando-o, inclusive.. Mas, mesmo quando não ocorre esse famoso luto (ou após o seu fim),  a angústia sobre o desenvolvimento saudável da criança pode surgir e permanecer.

Quando percebemos que os conceitos de normalidade e diferença são construídos socialmente e nada têm a ver com o filho que carregamos nos braços, entendemos que o tal padrão de normalidade não se justifica, já que uma imensa parcela da sociedade não se encaixa nesse padrão, portanto, é uma contradição que ele exista no sentido de ser a regra. Na minha opinião esse entendimento tem um enorme potencial de por fim ao luto, pois nos traz a clareza de que todos somos diferentes uns dos outros e que não há valor na diferença, ou seja, que não é melhor nem pior ser diferente.

O que ainda permaneceu em mim como uma forte angústia foi o medo das comorbidades e o medo da rejeição , na forma de preconceito, discriminação e bullying, o que seria uma inevitável consequência das próprias construções sociais de que falei e que por isso é a outra face do que nos leva ao luto. Eu só não imaginava que esse medo faria com que fatos corriqueiros da vida ressoassem em mim como rejeição.

E foi exatamente isso que aconteceu naquele fevereiro de 2016, quando Luisa foi dispensada da TO e eu caí em profundo sofrimento por dias. Quem me mostrou o que houve de fato comigo foi minha amiga Vivi Reis, do Inclusivamente. Ela nomeou o que eu estava sentindo ao me dizer que eu estava tendo um rebote do luto. Não era tristeza pelo diagnóstico de que a Luisa estivesse estagnada em seu desenvolvimento, pois eu nem concordava com o mesmo, já que via no dia a dia que esse argumento não procedia. Pra ficar só em dois exemplos, em janeiro Luosa começou a falar e pedir água, como registrado neste vídeo:

E também abandonou a necessidade de balançar o papel no ar em vez de riscá-lo. Em meados de janeiro ela passou não só a riscar o papel (como mostra o vídeo abaixo), como a casa toda:

O meu sofrimento aconteceu porque eu tinha tanto medo da rejeição que a primeira situação de ruptura me levou a senti-la como se fosse parte da situação que eu tanto temia, o que me fez “revisitar” o luto.

Ter entendido isso foi fundamental pra mim, até mesmo pra lidar com as rejeições discriminatórias, quando essas de fato acontecerem. Foi fundamental pra que eu entendesse que não há razão para tristezas que nos imobilizem quando nossos filhos forem rejeitados, pois errada está a pessoa que os discriminou e não eles. A tristeza que nos acomete deve funcionar como combustível para o bom combate e não nos prostrar, que foi o que aconteceu comigo.

Essa vivência fortaleceu em mim a importância da troca, do convívio com outras mães e famílias e, principalmente, do empoderamento. Muito se questiona sobre os benefícios do associativismo, da formação de grupos e de comunidades de famílias de pessoas com síndrome de Down. Hoje, me parece claro que há muitos benefícios, como essa solidariedade incrível, esse amparo e afeto que tanto precisamos quando as angústias nos atravessam. Lógico que nem todos estão prontos para contribuir em todas as situações. Mas cada um contribui com aquilo que tem pra dar. Eu, por exemplo, não tenho nenhuma habilidade para lidar com o luto de outras mães. E ao me mostrar que eu não entendia o meu próprio luto, Vivi também me apontou o porquê.